sábado, 15 de dezembro de 2007

Recebendo e Compartilhando o Santo Nome



As glórias do nome do Senhor é um tema confidencial que deve ser transmitido com grande zelo.

Dentre os vários presentes que ganhei em meu aniversário de seis anos estavam diversos pares de meias vermelhas. Como a maioria das crianças, eu preferia brinquedos a roupas – especialmente roupas repetidas. Então eu fui emburrada para o meu quarto. Como qualquer outra mãe faria, minha mãe disse que era para eu voltar para a sala, sorrir e dizer “obrigada” - eu gostando ou não dos presentes.

Nós frequentemente demonstramos o quanto algo vale para nós pela maneira com que cuidadamos de tal coisa. Se eu tenho respeito pelo presente ou por quem me deu o presente, eu coloco o objeto em uma posição de prestígio ou o dou para alguém de que gosto muito. Dar o que ganhei para uma pessoa indigna ou jogar de qualquer maneira o presente dentro do guarda-roupa demonstra minha falta de apreço pelo presente e pode trazer muito desprazer para quem me deu.

Há um exemplo disso nas escrituras. Quando o sábio Durvasa estava caminhando pela rua, ele viu Indra, o administrador- chefe dos planetas celestiais, passando montado em seu elefante. Durvasa, com muita satisfação, ofereceu a Indra uma guirlanda de seu próprio pescoço. Mas o orgulhoso Indra pegou a guirlanda e, sem nenhum respeito por Durvasa Muni, colocou o ornamento na presa de seu elefante. Sendo um animal, o elefante não podia entender o valor da guirlanda e a jogou no chão pisando por cima dela enquanto continuava a caminhar. Presenciando tal comportamento ofensivo, Durvasa Muni amaldiçoou Indra a se tornar muito pobre. (Srimad-Bhagavatam 8.5.15-16, Significado) .

O fato de Indra desejar compartilhar um presente é louvável. Dar em caridade nossas posses, sejam elas conquistadas ou recebidas, é purificador mesmo para os santos. O problema do ato de Indra é que ele deu em caridade a um animal. Krsna ensina no Bhagavad-gita que caridade deve ser dada a uma pessoa digna, em local e hora apropriados e sem expectativa de recompensa. Se a caridade é dada a alguém que fará mau uso dela, ou se é dada de forma desrespeitosa, aquele que faz a caridade, ao invés de avançar material ou espiritualmente, se torna envolvido com a ilusão da ignorância.

O maior tesouro de todos é o santo nome do Senhor, Krsna. É mais precioso que a jóia cintamani, que pode transformar ferro em ouro. O fato de termos recebido o santo nome demonstra o amor por parte daqueles que nos deram e também nossa determinação em conhecer e amar o Senhor Supremo. Conhecer a glória, o poder e o amor do maha-mantra – Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare / Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare – é conhecer a mais íntima e essencial verdade. Tendo o precioso santo nome, certamente devemos dá-lo em caridade.

De qualquer forma, tal tesouro – o nome de Krsna, que é idêntico a Ele –, manifesta sua paz e prazer em plenitude apenas para aquele que o honra. Uma das principais maneiras de honrar o nome é sendo prudente ao revelar detalhes das glórias do nome. Se falamos da doçura e grandeza do nome para alguém que se tornará ofensor, também fazemos parte de suas ofensas, e nosso avanço espiritual é comprometido. Jesus disse: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda que eles as calquem com os seus pés, e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem” (Mateus 7:6). De forma similar, Krsna diz a Arjuna: “Este conhecimento confidencial [render-se amorosamente a Krsna] jamais pode ser explicado àqueles que não são austeros, nem devotados, nem se ocupam em serviço devocional, e tampouco a alguém que tenha inveja de Mim”. (Bhagavad-gita 18.67).

Dando o Santo Nome

A solução seria manter o conhecimento espiritual apenas conosco? Não. Se por medo de darmos o santo nome para pessoas invejosas nós deixamos de compartilhar nossa riqueza espiritual, tornamo-nos igualmente invejosos. Srila Prabhupada disse a uma de suas discipular, uma excepcional cozinheira, que, para evitar ser alvo de inveja, ela deveria ensinar suas habilidades a outros. Uma pessoa invejosa ou quer tirar de uma pessoa o que ela tem ou quer impedir previamente que ela tenha acesso a uma de suas próprias opulências. Ao contrário, devemos desejar que os outros se tornem tão espiritualmente ricos e afortunados quanto nós, ou mesmo mais que nós. Além do que, ao dar em caridade a consciência de Krsna a uma pessoa digna, comprazemos Krsna e, consequentemente, aumentamos nosso prazer no processo do cantar.

Compartilhar o santo nome e a estonteante beleza das atividades, qualidades e formas de Krsna com uma pessoa piedosa e sincera traz grande prazer e satisfação. A troca de conhecimento e júbilo tanto entre aqueles que compartilham o entendimento do serviço devocional quanto entre Krsna e tais pessoas é tão puro e emocionante que é praticamente indescritível. Krsna diz: “Para aquele que explica aos devotos este segredo supremo, o serviço devocional puro está garantido, e, no final, ele voltará a Mim. Não me há neste mundo servo mais querido, nem nunca jamais haverá”. (Bhagavad-gita 18.68-69).

Como discernir onde e com quem compartilhar o nome? O Senhor pessoalmente, em Seu nascimento como Caitanya Mahaprabhu, cantaria nas vias públicas com Seus devotos, deixando ao encargo dos ouvintes tirarem ou não proveito daquele cantar. Ele, todavia, era muito cuidadoso quanto a discutir detalhes íntimos da vida espiritual com aqueles que tinham a tendência a criticar. Antes de compartilharmos algo além do som do santo nome com alguém, devemos tentar encontrar ao menos uma fagulha de fé, pois fé é o único verdadeiro pré-requisito para se começar a cantar o nome de Krsna.

Por muitos anos, um grupo de devotos de Krsna viajou ao redor dos Estados Unidos com dois sannyasis – Visnujana Svami e Tamal Krsna Gosvami. Visnujana Svami cantava docemente o maha-mantra Hare Krsna enquanto devotos distribuíam gratuitamente pratos de prasadam. Tamal Krsna Gosvami disse a seu amigo Ravindra Svarupa Dasa que ele deveria abordar as pessoas que estavam comendo e ouvindo e perguntar: “Você gosta da comida e da música?”. Se eles expressassem algum entusiasmo, ele deveria apresentar-lhes os livros de Prabhupada ou discutir filosofia com eles. Se eles tivessem pouca ou nenhuma atração pelo cantar e pela comida, ele não deveria investir muito tempo neles.

Em outras palavras, a fé das pessoas pode ser vista pela avidez com que buscam Krsna. Jesus fala novamente das glórias do Senhor na metáfora de uma pérola: “O reino dos céus é também semelhante a um mercador que busca pérolas preciosas, e, tendo encontrado uma de grande valor, vai, vende tudo o que tem e a compra” (Mateus 13:45). Rupa Gosvami, de forma similar, explica: “O serviço devocional puro em consciência de Krsna pode ser obtido unicamente se sendo pago um preço: intenso desejo em obtê-lo. Se tal serviço se encontra a venda em algum lugar, deve-se comprá-lo de imediato”. (Padyavali 14)

Descriminação Atenciosa

Mas a descriminação das pessoas com as quais se pretende compartilhar a verdade é algo mais complexo do que as duas opções “com fé” e “sem fé”. A verdade é que há poucas pessoas com as quais se pode compartilhar tudo ou com as quais não se pode compartilhar nada. O segredo para se evitar a ofensa de instruir um infiel, e ao mesmo tempo beneficiar a nós e aos outros, é desenvolver um sofisticado julgamento quanto à conveniência de cada caso. Krsna dá quatro diretrizes para a comunicação espiritual: a mensagem deve ser verdadeira, prazerosa, embasada na autoridade das escrituras e benéfica para ambas as partes. Para que uma mensagem seja benéfica, precisa-se determinar sua conveniência. Muitas verdades da vida espiritual, por exemplo, parecem amargas para pessoas com apegos materiais. A realização transcendental não envolve apenas a empolgante e maravilhosa revelação dos nomes, formas e atividades Krsna, senão que também inclui o conhecimento de que, enquanto separados de Krsna, estamos voluntariamente vivendo a ilusão do egoísmo e da terrível cobiça. Para progredirmos na compreensão de nossa natureza eterna, devemos encarar a desagradável realidade de que tentando desfrutar de um corpo material miserável e temporário é, no mínimo, algo um tanto constrangedor para nós almas.

Contrato Professor-Aluno

Embora a compreensão da desconfortável posição de uma alma no mundo material seja, sem dúvidas, benéfica a todos, deve ser feito uma espécie de contrato antes deste conhecimento ser fornecido. De outra forma, se o interlocutor se torna irado, não há nenhum benefício, além de poder haver prejuízo para ele e também para o transmissor da mensagem. Assim, Prabhupada diz: “Ninguém deve falar de modo que agite a mente de outros. Claro que ao falar, um professor pode instruir seus alunos dizendo-lhes a verdade, mas esse mesmo professor não precisa se dirigir àqueles que não são seus alunos com palavras que acaso venham a agitar suas mentes”. Em outras palavras, não importando quão verdadeira seja nossa instrução, a pessoa que irá nos ouvir deve, formal ou informalmente, ter nos aceitado como professores para que a instrução tenha verdadeiro benefício. Naturalmente, falar de forma agradável também é importante. Nossa apresentação deve ser civilizada e educada.

O princípio de que nossos ouvintes devem ser, de alguma forma, nossos estudantes antes que possamos falar-lhes verdades desagradáveis ou tópicos avançados continua válido quando compartilhamos a consciência de Krsna com pessoas com fé no processo. Leitores deste artigo, por exemplo, aceitaram ouvir algo de mim. Quando alguém dá uma palestra, a audiência aceita, ao menos temporariamente, a posição de alunos. O mesmo acontece quando alguém pede aconselhamento: a pessoa se aproxima de nós nos aceitando como alguma forma de autoridade, dando-nos o direito de dizer algo para o seu benefício, mesmo que possa ser algo desagradável a princípio. Sem tal contrato, formal ou presumido, nós não temos permissão de comunicar qualquer coisa em nome da verdade. Fazê-lo, no que se refere a tópicos espirituais, é ofender o nome, e se feito com um devoto de Krsna, pode também ser uma ofensa ao devoto do Senhor.

Instrução aos Gurus

Em seu livro Harinama Cintamani, Bhaktivinoda Thakura explica a ofensa de ensinar o santo nome a pessoas infiéis voltando-se especialmente aos gurus. Seja iniciando discípulos no cantar ou mantendo alguma relação formal como mestre espiritual instrutor, há, algumas vezes, a tentação de aceitar discípulos com o fim de prestígio e riqueza pessoais. Tal problema acontece em escolas comuns. Algumas universidades aceitam estudante não apenas por suas qualificações acadêmicas, mas porque eles são de famílias que levarão dinheiro e nome para a instituição. Não é nenhum segredo que mesmo as universidades mais seletivas dão preferência para tais “estudantes de sangue azul”. Eles declaram abertamente que favorecer tais estudantes abastados ajuda na redução do custo dos estudos de outros estudantes.

Talvez tal política faça sentido em termos funcionais e financeiros para um curso de engenharia ou direito, mas vai de encontro ao desejo de Krsna e a todo o humor do serviço devocional a Ele. Um guru pode ter muitos problemas se considerar a qualificação de um discípulo por algo além de sua fé.

Algumas vezes, claro, nós, seres imperfeitos, talvez sejamos enganados por alguém que demonstra falso interesse pelo serviço a Krsna. Um misericordioso devoto de Krsna deseja dar chance a todos, abanando uma pequena fagulha de curiosidade para que se torne uma fogueira de amor devocional. Se, por acaso, aceitamos um estudante ou discípulo que, posteriormente, torne-se um blasfemo, devemos publicamente renunciar tal pessoa para que nenhum de nós dois perca o abrigo do Senhor.

Se queremos que nosso cantar de Hare Krsna, Hare Krsna, Krsna Krsna, Hare Hare / Hare Rama, Hare Rama, Rama Rama, Hare Hare manifeste todo o seu potencial, devemos tratar o santo nome e toda prática e conhecimento espirituais com amor e zelo. Honramos a Verdade Absoluta por darmos pouca oportunidade para que os ofensores encontrarem falhas, ensinando apenas o que vá beneficiar pessoas fiéis que aceitaram ouvir o conhecimento de nós, e sempre encontrando grande satisfação e bem-aventuranç a em compartilhar o santo nome com aqueles que anseiam conhecer seus mistérios.


por Urmila Devi Dasi (ACBSP)
Tradução por Bhagavan dasa (DvS)

Nenhum comentário: