segunda-feira, 17 de agosto de 2009


Por que a mente se agita tanto? Patañjali descreve no Yoga-sutra que existem quatro causas. O conhecimento de algo que não se baseia em sua verdadeira existência é chamado viparyayah; o conhecimento que se baseia meramente em palavras desprovidas de substância real é chamado vikalpa; o conhecimento obtido pela influência da ignorância ou do sono é chamado nidra; e o conhecimento baseado nas lembranças das experiências do passado ainda alojadas na memória é conhecido como smritih. Essas causas podem provocar sofrimento (klistha) ou prazer (aklistha). Mas devemos entender que esses dois tipos de experiências - tanto as prazerosas quanto as dolorosas - não passam de diferentes frutos da ilusão. Isso é explicado na Bhagavad-gita quando Krishna diz que, assim como o inverno e o verão, o aparecimento da dor ou do prazer são todos temporários e surgem simplesmente da percepção dos sentidos.
Lembro-me de que, quando ainda era uma criança, uma vez fui acordado de madrugada com o barulho estrondoso de uma freada de carro acompanhada de uma batida. Momentos depois, uma pessoa gritava com grande desespero. Rapidamente eu e meus irmãos fomos ao encontro da pessoa aflita para socorrê-la e constatamos que nada havia acontecido com ela. Ou seja, o seu corpo estava intacto e em perfeito estado, mas, como seu veículo havia amassado com a colisão, ela sentia profunda dor e gritava de aflição. Embora fôssemos simples crianças, ficamos surpresos com a cena pitoresca e pudemos perceber que, devido a seu apego, a consciência dessa pessoa estava entranhada nas latarias de seu carro. Em outras palavras, o seu apego fez com que ela se identificasse com o carro e sofresse profundamente com o sentimento de perda. Mas como nós não tínhamos a menor identificação com aquele carro (e, por isso, nenhum apego por ele), voltamos para casa e fomos dormir tranqüilamente.
Segundo Patañjali, essa pessoa estava sofrendo devido a viparyayah - uma concepção errônea acerca de um determinado objeto. O tipo mais comum de viparyayah é a falsa identificação com o corpo (o veículo). Essa identificação corpórea básica cria um número sem fim de outros tipos de viparyayah: “eu sou cristão”, “eu sou hindu”, “eu sou homem”, “eu sou mulher”, “eu sou branco”, “eu sou negro”, “eu sou bonito”, “eu sou feio”, “eu sou patrão”, “eu sou empregado”, “eu sou rico”, “eu sou pobre” etc. Na verdade, o correto seria dizer: “eu estou cristão, estou homem, estou branco, estou bonito” etc., já que, de fato, somos a alma e estamos simplesmente dirigindo o carro do corpo material. Mas, por não entendermos isso de forma prática, estamos sofrendo de identificação corpórea, viparyayah, e vivemos em função do corpo. Portanto, temos de entender que as sensações prazerosas ou dolorosas são sentidas simplesmente porque temos um corpo. Ou seja, é o corpo que sente calor ou frio, fome ou satisfação. De modo geral, quando a pessoa consegue colocar seus sentidos em contato com objetos agradáveis, isso é chamado de prazer. Por outro lado, quando os sentidos se associam com objetos desagradáveis, experimenta- se a dor. Por isso, uma pessoa em consciência material vive ocupada em alcançar objetos que produzam sensações agradáveis aos seus sentidos e em evitar objetos que provoquem sensações desagradáveis. Na verdade, a vida material se fundamenta em viparyayah. Depois de viparyayah surge vikalpa, a segunda causa de agitação mental e alteração da consciência.
A natureza da mente é sankalpa-vikalpa. Sankalpa significa aceitar e vikalpa significa rejeitar. Por exemplo, quando recebe algum tipo de elogio, a mente desfruta disso, funcionando à base de sankalpa. Mas, ao receber críticas, a mente tem a tendência de rejeitá-las. Assim, ela pratica vikalpa. Isso ocorre praticamente o tempo todo. De modo semelhante, quando a situação é favorável para desfrutar de belas imagens, manifesta-se sankalpa. Caso contrário, surge vikalpa. Quando há oportunidade de experimentar aromas agradáveis ou provar sabores prazerosos, a mente aceita (sankalpa). Uma pessoa que age desse modo é conhecida como godasa, um servo dos sentidos, e vive em ansiedade constante. Mas um verdadeiro praticante de yoga não deve deixar que seus sentidos perturbem sua paz interior. Para tal, ele tem que se tornar um goswami, um senhor dos sentidos, aprendendo a arte de controlá-los através da inteligência purificada com conhecimento transcendental. Assim como uma criança inquieta precisa ser vigiada de perto, pois não reconhece os perigos da vida, a mente precisa de cuidado permanente. Tanto a criança quanto a mente vivem em função de fantasias e brincadeiras e, para satisfazer seus interesses egoístas, podem nos colocar em situações bastante perigosas. Então, a mãe cuida da criança e lhe dá a devida proteção, ensinando-a: “não faça isto”, “cuidado com aquilo”, “coma isto”, “aja dessa maneira”. Como não é capaz de discernir o certo do errado, o bom do mau, o benquerente do malfeitor, a criança pequena precisa ser controlada. Somente assim sua mãe estará em paz. De modo semelhante, enquanto a mente for travessa e, de modo infantil, viver em função de fantasias, será difícil praticar yoga. Portanto, a mente deve ser treinada e sempre controlada pela inteligência, assim como a criança é treinada e controlada pela mãe. Árjuna fala sobre isso na Bhagavad-gita, ao admitir ser bastante difícil praticar yoga caso a mente esteja inquieta. Ele conclui que somente quando o yogi rejeita toda classe de desejos que surgem da invenção mental (vikalpa) e sua satisfação é interna é que ele alcança a consciência transcendental pura.
Enquanto não partimos do ponto aham brahmasmi, “eu sou espírito”, estaremos sempre sujeitos às diferentes concepções errôneas e fantasias mentais, que são as responsáveis por ilimitados desejos. Na verdade, existem descrições védicas que revelam que o mundo espiritual é cheio de kalpatarus, árvores que satisfazem todos os desejos.
p/ Marcelo P. Ferreira

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