domingo, 14 de dezembro de 2008

Um Convite ao Heroísmo Espiritual


O Ramayana é uma antiga saga Védica de ação, romance, sabedoria e aventura, uma saga que inspirou grande parte da população mundial por milênios; uma saga que descreve um passado em que seres com poderes celestiais - tanto divinos quanto demoníacos - interagiam em nosso reino terrestre; uma saga com a batalha entre o bem e o mal, uma saga na qual Deus advém e ensina virtude, retidão e espiritualidade por meio de Seu sólido exemplo pessoal.
A despeito da antiguidade histórica do Ramayana, seu enredo é similar ao de um filme típico: ele traz um herói, uma heroína e um vilão que deseja a heroína, e narra um empolgante confronto entre o herói e o vilão, confronto este que culmina na morte do vilão e na reunião do herói com a heroína. Mas há uma diferença vital entre o Ramayana e um filme moderno: em um filme, o herói, a heroína e o vilão são todos, na verdade, vilões.
Por quê? Muitos pensam em um vilão como alguém que desfruta através da exploração e da injúria de outros. Embora não incorreta, tal concepção de mal é incompleta e ingênua visto que ignora uma realidade fundamental: nosso pai amável e supremamente responsável, Deus. Muitos de nós jamais tivemos a educação espiritual necessária para entender que é Deus quem abnegadamente nos provê nossa alimentação diária. É verdade que temos que trabalhar para sobrevivermos, mas nosso esforço é secundário. É como o árduo trabalho dos pássaros buscando por grãos: Sem Deus provendo os grãos através da natureza, a busca deles, independente de o quanto minuciosa, seria infrutífera. Similarmente, sem a criação de Deus do milagroso mecanismo da fotossíntese, que transforma "lama em mangas" (uma proeza muito superior ao que fazem os melhores cientistas e computadores de última geração) e nos permite ter acesso a algum alimento, não haveria qualquer relevância para o quanto nos esforçássemos. Todas as nossas necessidades – calor, luz, ar, água, saúde – são similarmente satisfeitas primeiramente por arranjo divino e secundariamente por empenho humano.
Infelizmente, nossas mídia, cultura e educação nos ocupam com tantos atrativos materialistas que ficamos cegos ao fato de nossa dependência de Deus e de nossos deveres para com Ele. Temor a Deus é o começo da sabedoria, assim como o medo saudável de um pai amável é necessário para que uma criança inquieta e levada se torne disciplinada e responsável. E amor a Deus é a culminação da sabedoria, assim como gratidão e amor por um pai benevolente demonstra a maturidade de um filho crescido.
Lamentavelmente, os formadores de opinião de nossa sociedade nem amam a Deus nem O temem, senão que exaltam o materialismo egoísta e ímpio. Consequentemente, nos dias atuais, muitas pessoas são extremamente egoístas em sua relação com Deus. Elas não dedicam sequer alguns instantes à pessoa que lhes deu a própria vida. Em uma família, se um filho não cuida de seu pai, que é sua conexão com seus irmãos, ele logo deixará de se importar com eles também. De fato, ele talvez até mesmo se torne mal disposto com eles porque eles serão seus competidores na obtenção da herança. De maneira similar, egoísmo para com Deus é a origem de todo o mal. Todos nós plantamos essa semente maligna em nossos próprios corações e agora estamos forçosamente tendo de nos alimentar de seus frutos amargos – terrorismo, corrupção, crime, exploração – tudo isso produto de nossa luta entre nós mesmos pelo domínio sob os recursos do mundo, a herança de Deus para nós.


Heróis Divinos


O Ramayana nos brinda com um vislumbre de heroísmo e vilania, de amor desmotivado e de luxúria egoísta. O Senhor Rama e Sua consorte, Sita, são os eternos herói e heroína. Hanuman, o herói religioso, personifica a tendência de desinteressadamente assistir ao Senhor em Seu amor divino; ao passo que Ravana, o irreligioso vilão, personifica a tendência egoísta de nos assenhorearmos da propriedade do Senhor para a nossa própria satisfação luxuriosa. O piedoso herói aspira desfrutar com Deus, enquanto que o impiedoso vilão deseja desfrutar como Deus.
Entretanto, em um filme típico, todos os personagens principais – o herói, a heroína e o vilão – têm a mesma mentalidade nociva de querer desfrutar sem se importar com Deus. No herói e na heroína, as vestes de romance mascaram essa disposição mental, enquanto que o vilão a expressa sem reservas. Mas todos eles são Ravanas, a diferença estando apenas nas tonalidades de cinza.
Nosso empenho egoísta em imitar heróis e heroínas, quer em filmes quer na vida real, é intrinsecamente maléfico, e serve de combustível para todos os males maiores que tememos. Em última instância, nosso mal retorna para nós tal qual um bumerangue, pois ele perpetua a ilusão de nossa identificação corpórea equivocada, e nosso corpo nos sujeita às torturas da velhice, da doença, da morte e do renascimento – mais uma vez, mais uma vez e mais uma vez.
É claro que não temos que sufocar nosso impulso natural de querermos ser especiais. Como Hanuman, todos nós também podemos ser heróis – a serviço do herói supremo. Infelizmente, nossa sociedade apresenta a tendência Ravânica como heróica e a propensão Hanumânica como ultrapassada.


Uma Lição de Esperança


O Ramayana revela que Ravana, apesar de sua extraordinária propensão, nunca estava satisfeito, mas antes sempre ávido por mais. Não é essa a condição de nossa civilização moderna? Todo o poderio e riqueza de Ravana não puderam nem lhe dar felicidade nem salvá-lo da destruição final. A derrota final de Ravana nos lembra do destino que aguarda a nossa sociedade se ela continuar com seu egoísmo ateu.
Contudo, a queda de Ravana não é apenas um aviso apocalíptico; é também um arauto de esperança e felicidade, porque nos ensina que o Senhor é competente na destruição do mal tanto interior como exterior. O mesmo Senhor Rama que destruiu Ravana há milênios apareceu agora como Seu santo nome para destruir o Ravana no íntimo do coração das pessoas. O santo nome nos oferece felicidade verdadeira, não por meio da imitação de Deus, mas por meio do amor a Deus; não nos tornando heróis de imitação, mas nos tornando heróis-servos.

por Caitanya Carana Dasa

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