quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Passatempos Infantis do Senhor Caitanya




As atividades aparentemente comuns do Senhor Caitanya como uma criança são inteiramente transcendentais. Quem diria que uma criança, brincando, poderia abalar a estrutura do monismo e do panteísmo?

Um dia, pouco tempo depois que aprendera a andar, o Senhor Caitanya brincava com outras crianças pequenas da vizinhança enquanto Sua mãe, Srimat Sacidevi, trouxe-Lhe um prato cheio de arroz e doces. Após pedir para seu filho se sentar e comer, mãe Saci prosseguiu com seus deveres domésticos. Mas tão logo ela saiu de perto de seu filho, Ele começou a comer terra ao invés da comida carinhosamente preparada. Ao retornar, mãe Saci ficou muito surpresa vendo aquilo. “O que é isto!”, ela exclamou.

Esse foi um dos passatempos infantis do Senhor Caitanya quando Ele apareceu na Terra há quinhentos e poucos anos. Tal atividade, ouvida à primeira vez, dificilmente confirmaria a alguém que o Senhor Caitanya é a mesma Suprema Personalidade de Deus descrita na literatura Védica. O Bhagavad-gita afirma que, para estabelecer princípios religiosos universais, o Senhor Supremo regularmente aparece dentro da criação material agindo no papel de um ser humano. Assim, embora Ele seja o mais velho de todos, Ele exibe diversos passatempos infantis maravilhosos.

Mas o que há de tão incomum ou divino em comer terra? Toda criança de um ano tende a pensar que tudo o que é visível é também comestível. O que há de diferente no ato de comer terra do Senhor Caitanya? E como isso ajuda a estabelecer princípios religiosos universais? Voltemos, então, à cena da infância do Senhor para descobrirmos.

Quando requisitado por mãe Saci para explicar Seu comportamento, o Senhor respondeu de uma maneira filosófica surpreendente. “Por que você está irada?”, Ele disse. “Você Me deu terra, então, como posso ser culpado de alguma coisa? Arroz e doces, ou qualquer coisa comestível, não passam de uma transformação da terra. Você Me deu terra – e Eu comi terra. Por que a objeção?”. O Senhor Caitanya argumentou que, uma vez que toda comida vem originalmente da terra, ela não é nada senão a transformação da terra. Então, comer doces ou comer terra; qual é a diferença?

A resposta infantil do Senhor Caitanya parodia a filosofia monista defendida pelos filósofos Mayavadis, que afirmam que a única realidade é a existência espiritual não-diferenciada, eterna e todo-penetrante, ou Brahman. Como traz o slogan Mayavada: “É tudo um”. Em outras palavras, apesar da aparência, eu e você não somos indivíduos distintos, senão que somos unos em todos os aspectos com o Brahman impessoal. Ou, para sermos mais claros, cada um de nós é Deus – se pudermos nos dar conta disso. E este universo material – com toda a sua variedade – é, eles dizem, falso, uma ilusão.

Comendo terra, o Senhor Caitanya conduzia a filosofia do “é tudo um” para sua conclusão lógica. “Terra é ilusão, e doces são ilusão”, Ele respondia. “Assim, qual a diferença entre comer terra e comer doces?”.

Mãe Saci não era nenhum pandita, e, mesmo assim, sua resposta dura ao Senhor Caitanya foi suficiente para fazer em pedaços o subterfúgio dos eruditos Mayavadas. “Quem Lhe ensinou tal filosofia que justifica comer terra suja?”, ela perguntou. “Se tudo é um, porque as pessoas não comem terra, mas sim os grãos alimentícios produzidos a partir da terra?”.

Mão Saci, então, mostrou a impraticabilidade da filosofia Mayavada e expôs a visão de um Vaisnava (Vaisnava é um devoto do Senhor Visnu, ou Krsna). “Meu querido garoto”, ela disse, “se comemos terra transformada em grãos, nosso corpo é nutrido, e se torna forte. Mas se comemos terra em seu estado cru, o corpo se torna doente ao invés de saudável, e acaba sendo destruído”.

“Em um pote de barro, que é uma transformação da terra, eu posso trazer água com muita facilidade. Mas se eu derramasse água diretamente em um monte de terra, o monte absorveria a água, e meu esforço seria inútil”.

Diferente dos Mayavadis, os Vaisnavas, como mãe Saci explicou, apresentam uma realização da verdade espiritual totalmente prática e lógica. Eles também aceitam que tudo é um, mas apenas no sentido de que tudo é energia da Suprema Personalidade de Deus. Este mundo material, sendo Sua energia inferior, é una com Ele. Mas as variedades dentro dessa energia, embora temporárias, não são ilusórias. E quanto a nós, somos manifestações individuais eternas da energia espiritual superior do Senhor. Portanto, somos unos com Deus em qualidade. Mas argumentar, como fazem os Mayavadis, que somos Deus em plenitude seria simplificar de forma muito grosseira.

O Vaisnava sabe que as variedades materiais têm valor prático no serviço devocional à Pessoa Suprema. Com um pote de barro, podemos trazer água para lavar o templo, a igreja ou mesquita do Senhor (ou, no caso de mãe Saci, para banhar o Senhor diretamente). E, com arroz e outros alimentos, podemos preparar variados pratos, oferecê-los ao Senhor, e usar os remanentes da oferenda para nutrir nossos corpos e fortalecê-los para nos ocuparmos na ilimitada variedade de atividades devocionais puras.

Os Mayavadis, por outro lado, consideram o serviço devocional como ocupação dos ignorantes. “Por que servir a Deus?”, eles dizem. “Você é Deus”. Para eles, água, terra, comida, nossos corpos físicos, e todas as outras manifestações materiais são ilusórias e, portanto, destituídas de valor prático. Como vêm todas as formas e personalidades como ilusórias, eles consideram até mesmo o Senhor Supremo como ilusório. Tudo é ilusão, eles clamam, menos a filosofia idiota deles.

Nessa simples atividade infantil de comer terra – e defender tal comer – o Senhor Caitanya parodiou, e permitiu a Sua mãe derrotar, a doutrina filosófica do monismo, que representa uma séria ameaça a todas as fés religiosas que aspiram a uma relação amorosa com Deus. A filosofia Mayavada, Caitanya explicaria posteriormente, é pior do que o ateísmo, porque ela nega, com as vestes de ensinamento espiritual, a Suprema Personalidade de Deus e o valor eterno da devoção a Ele.

Todos os passatempos da infância do Senhor Caitanya são de semelhante profundidade. Já um pouco maior, Ele iria às margens do Ganges e implicaria com algumas jovens garotas que se reuniam ali. De acordo com o costume Védico, garotas entre dez e doze anos adoram o Senhor Shiva, orando para que tenham um bom esposo no futuro. O Senhor Shiva é o poderoso semideus encarregado da dissolução final do universo e é, também, um pacífico devoto da Personalidade de Deus, o Senhor Krsna. As jovens à beira do Ganges, então, oravam para que o Senhor Siva lhes desse um marido que fosse, como ele, tanto pacífico quanto poderoso.

O Senhor Caitanya sentaria com as jovens e interromperia a adoração delas, arrebatando para Si as guirlandas de flores, a pasta de sândalo, as frutas e os doces que estavam sendo oferecidos ao Senhor Shiva. “Adorem a Mim”, Ele exigiu, “e Eu lhes darei bons maridos e outros benefícios. O Senhor Shiva e sua esposa, a deusa Durga, são Meus servos subalternos”.

Com Seu comportamento jovial, o Senhor caitanya levanta um ponto importante. Há uma má compreensão por parte de alguns estudantes de religiões orientais que pensam que a tradição Védica é politeísta e que, portanto, os seguidores do movimento para a consciência de Krsna adoram vários deuses. Mas isso não é factual. Segundo a literatura Védica, todos são servos da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Krsna. Dentro do universo, alguns dos servos mais elevados do Senhor receberam poder para se encarregarem da administração universal, e tais poderosas entidades vivas são conhecidas como semideuses. O Senhor Shiva, como já mencionamos, tem o encargo de destruir; o Senhor Brahma conduz a criação, e milhões de outros semideuses presidem os demais setores universais, como a luz solar, a água, o fogo, o vento e a chuva. Os semideuses são todos grandes devotos do Senhor, trabalhando sob Sua supervisão. Eles são controladores, assim como nós somos em certo grau, mas eles não são iguais ao controlador supremo.

No Bhagavad-gita, o Senhor Krsna afirma que aqueles que adoram os semideuses perderam a inteligência. Embora seja factual que os semideuses podem conceder benefícios materiais para seus adoradores – o Senhor Shiva, por exemplo, pode ser adorado em troca de um bom esposo – tais benefícios devem ser, em primeira instância, sancionados pelo próprio Krsna. Então, por que não adorar Krsna diretamente? Essa é a decisão inteligente a se tomar. É a isso que a literatura Védica nos incentiva a fazer, e é isso que o Senhor Supremo está pessoalmente pedindo, não apenas das jovens garotas à beira do Ganges, mas de todos nós.

Todas as entidades vivas, incluindo os semideuses, são partes e parcelas de Krsna, e, portanto, é nossa posição constitucional servir e adorá-lo. Assim o fazendo, gradualmente nos aproximamos da vida eterna e bem-aventurada na morada transcendental de Krsna. Tal benefício é um benefício ansiado até mesmo pelos semideuses, benefício este que eles não podem conceder a seus adoradores.

Em comparação com os semideuses, que controlam aspectos importantes da manifestação cósmica, os seres humanos são insignificantes e impotentes, e, assim, em certo sentido, é natural o homem adorar os semideuses. Adoramos mesmo personalidades poderosas e opulentas deste planeta, então, por que não os semideuses? Todavia, em comparação com o Senhor Krsna, mesmo grandes semideuses como o Senhor Shiva são insignificantes, uma vez que o poder deles é derivado do poder de Krsna. Se você tem apenas um dólar, mil dólares parece muito dinheiro, mas, para um multimilionário, mil dólares é apenas um trocado. Similarmente, em comparação com o Senhor Krsna, os semideuses – para não dizer dos homens poderosos deste mundo – são apenas um trocadinho.

Certo, sim, os seguidores do movimento para a consciência de Krsna acreditam nos semideuses; e oferecem a eles o devido respeito. De fato, eles oferecem respeito a todas as entidades vivas, vendo-as todas como servos do Senhor Krsna. Mas eles adoram e amam unicamente a Pessoa Suprema, seguindo Sua instrução do Bhagavad-gita de abandonarem todas as variedades de adoração e simplesmente se renderem a Ele.

Assim como no Seu passatempo de comer terra, o Senhor Caitanya, implicando com as jovens, estabeleceu um princípio religioso que se aplica a todos que desejam comprazer o Senhor Supremo e desenvolver uma relação amorosa com Ele. O Senhor Caitanya não favorece uma religião em detrimento de outra; ao contrário, Ele ensinou a eterna ciência não-sectária da realização de Deus. Da mesma forma que o estudo de ciências ordinárias é aberto para qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade ou credo, da mesma forma, a ciência da consciência de Krsna ensinada pelo Senhor Caitanya e Seus seguidores é aberta a todos. E funciona para todos. Dois mais dois é igual a quatro, não importa sua proveniência geográfica, filosófica ou religiosa.

O Senhor Caitanya não é, portanto, uma figura sectária. Ele é, como indicam as literaturas Védicas, a Suprema Personalidade de Deus cumprindo o papel de Seu próprio devoto para nos ensinar amor por Deus. Ele é como a professora do primário, que, para instruir os novos alunos, senta-se com eles e finge estar aprendendo a escrever as letras do alfabeto.

Talvez a maneira mais fácil de entender a natureza não-sectária dos ensinamentos do Senhor Caitanya seja examinar Seu ensinamento primário, que traz que a maneira mais efetiva de se adorar a Deus nesta era de disputas e desavenças é cantando Seus santos nomes. O Senhor Caitanya cantou especialmente o mantra Hare Krsna, mas Ele ensinou que todos os nomes do Senhor mencionados nas grandes escrituras do mundo terão o mesmo efeito purificante e libertador no recitador sincero. Quem levantaria objeção contra tal instrução sublime e não-sectária? Pessoas de qualquer fé religiosa, mesmo enquanto executam suas atividades domésticas e empresariais, podem tornar suas vidas humanas perfeitas por cantarem constante e devocionalmente os nomes de Deus com os quais estejam familiarizadas.

Como uma criança, o Senhor Caitanya ensinou esse princípio-base para Sua família e vizinhos, antes mesmo de poder andar ou engatinhar. Como todas as crianças, Ele chorava e precisava de atenção constante. A atenção que o Senhor exigia, no entanto, era um tanto incomum. Não importando o que Sua mãe e as outras mulheres da vizinhança fizessem para aquietar Seu choro, Ele continuava chorando – até ouvir o cantar dos nomes de Krsna. Tão logo as mulheres cantavam, Ele ficava quietinho e olhava pra elas com Seus belos olhos, agora tranqüilos. Com o tempo, entendo o que o bebê dourado queria, as mulheres constantemente cantavam e batiam palma, fazendo da casa do Senhor, e de toda a vizinha, o espaço de um constante festival de música transcendental. Como os vizinhos do Senhor Caitanya, podemos todos aderir ao cantar dos santos nomes de Deus e, assim, recebermos o olhar misericordioso do Senhor sob nós.

por Mathuresha Dasa

Um comentário:

Anônimo disse...

Mayavadis é um termo pejorativo para uma perspectiva (Filosofia) da Realidade tão ou mais precisa e correta que a actinya bheda bheda Tattva pregada pela Iskon.
Talvez fosse mais digno de sua parte amigo não depreciar o que não entende chamando de "idiota" a explêndida filosofia do inestimável mestre e MAIS ANTIGO COMENTADOR DO VEDANTA Adhi Shankaracharya.
Voçe certamente não gostaria que chamassem a filosofia de Srila Prabhupada de IDIOTA, não é?
Então porque não mostrar o mesmo respeito que voçe deseja pra com os outros!
Se voçe diz ter uma concepção tão não-sectária da religião, por que se esforça tanto em tentar denigrir as outras?
Que o dedo do bom senso toque seu coração, lhe trazendo também Paz e Respeito.
Hari Om Tat Sat!