sábado, 20 de outubro de 2007

Levando a Liberação a Sério



mumukshavo ghora-rupan

hitva bhuta-patin atha

narayana-kalah shanta

bhajanti hy anasuyavah

“Aqueles que são sérios quanto à liberação certamente não são invejosos, e eles respeitam a todos. Mesmo assim eles rejeitam a horrível e repugnante forma dos semideuses e adoram unicamente a forma plenamente bem-aventurada do Senhor Visnu e Suas porções plenárias”. – Srimad-bhagavatam 1.2.26


A primeira palavra, mumukshavah, significa “desejando ser liberado”. É muito difícil encontrar essa classe de homens, os mumukshavah. As pessoas não sabem o significado de mumukshavah. Elas não sabem o que é a liberação. Mesmo os assim-chamados cientistas e filósofos da era moderna não sabem o significado de liberação, moksha. E mesmo assim eles são os formadores de opinião da massa e a elite da educação. Eles não sabem o objetivo da vida, a que a vida humana se destina.
Uma vez, no ano de 1950 ou ’51, eu fui para Jhansi, e o amigo em cuja casa eu estava ficando era um líder. Havia um encontro pelo dia do desaparecimento de Gandhi, e eu fui convidado a palestrar. Naquela época eu não era sannyasi. Eu fui convidado a palestrar sobre o tema não-violência. Então eu expliquei que se você tem algum direito e alguém, através de algum tipo de força, impede você de estar dentro de seu direito, isto é violência. Eu tenho o direito de ter algo ou de entrar em algum lugar, e alguém me impede – “Você não pode entrar” – isso é violência, e é crime.
Nossa terra natal é Bharatavarsha [Índia]. Nascer em Bharatavarsha não é algo comum. Vejam quantos homens estão automaticamente circuambulando este templo por respeito. Mesmo um homem comum o fará. Se você fizer um estudo, você verá que, por natureza, as pessoas em Bharatavarsha são conscientes de Deus. Mesmo um homem muito pobre está satisfeito em consciência de Deus. Ele não se importa de ser miserável materialmente. Ele está satisfeito: “Krsna me deu esta posição”. Ele não tem interesse em saber, nem se pergunta “porque eu sou materialmente miserável?”. Ao contrário, ele pensa, “agora eu estou recebendo um pouco de comida pela misericórdia de Krsna”.
Há algum tempo atrás, não muito, cerca de duzentos ou trezentos anos, havia um grande zamindar em Krsnanagara chamado Raja Krsnacandra. Ele se aproximou de um erudito, um brahmana pandita, que havia aceitado voluntariamente viver em pobreza, e perguntou a ele: “Panditji, será que eu posso lhe ajudar de alguma maneira?”.
O pandita tranquilamente respondeu, “Eu não preciso de nenhuma ajuda sua”.
“Mas eu vejo que o senhor é muito miserável materialmente” .
“Não, eu não sou. Meus estudantes me trazem arroz, e minha esposa o cozinha enquanto eu colho algumas folhas de tamarindo. E isto é muito bom. Eu não preciso de nenhuma ajuda material”.
Esta é a herança da Índia. Canakya Pandita foi o maior erudito e maior político. Ele foi o primeiro ministro do Imperador Candragupta Maharaja. Canakya Puri em Nova Delhi recebe esse nome por causa de Canakya Pandita. Ele vivia em um pequeno chalé, e não aceitava nenhum salário. E tão logo Maharaja Candragupta requisitou explicações acerca de uma instrução que Canakya havia lhe dado, Canakya abandonou o cargo de primeiro ministro. Tal desapego é o padrão das pessoas nascidas na Índia. Peguemos Vyasadeva, por exemplo. Quem pode ser mais erudito que Vyasadeva? Sua última contribuição foi o Srimad-bhagavatam, e cada palavra desta obra, se você estudá-la por centenas de anos, você continuará tendo algo novo para aprender. Cada palavra. Um intelectual excepcional, e vivia em um pequeno chalé.
Essa é a verdadeira cultura da Índia. Então eu expliquei na reunião em Krsnanagara, “Depois de muitos e muitos nascimentos, a pessoa tem a oportunidade de nascer nesta terra sagrada de Bharatavarsha. Infelizmente, vocês líderes estão, pelo uso de seu poder, tornando as pessoas materialistas. Elas receberam a oportunidade de terem acesso à contribuição de grandes sábios, rishis, a oportunidade de estudarem suas escrituras e se tornarem seres humanos bem sucedidos, mas vocês estão privando as pessoas dessa oportunidade e jogando-as no meio de vida materialista. Isto é violência. O que vocês entendem por não-violência? Isto é violência”.
Há cerca de vinte anos atrás eu estava pensando sobre isso. Na verdade, pessoas estão sendo mortas não apenas na Índia, mas no mundo todo por esses líderes cegos. Eles não sabem como conduzir as pessoas, como fazê-las felizes, como fazê-las bem sucedidas na forma de vida humana.
Entenda Radha-Krsna
Narottama Dasa Thakura cantou:
hari hari biphale janama gonainumanushya janama paiyaradha-krishna na bhajiyajaniya shuniya bisha khainu
“Meu querido Senhor Krsna, eu simplesmente desperdicei meu tempo”. Sem consciência de Krsna, nós estamos simplesmente jogando nosso tempo fora. A forma de vida humana nos dá grandes oportunidades, mas nossa atenção é equivocadamente direcionada simplesmente para os atos de comer, dormir, acasalar-se e defender-se. E nosso verdadeiro interesse é deixado de lado. Narottama Dasa Thakura resume bem isso. Hari hari biphale janama gonainu: “minha vida passou em vão”.
A forma de vida humana é especificamente destinada a entender Krsna, Radha-Krsna. Se não Radha-Krsna, pelo menos o Krsna da batalha de Kuruksetra. O Sr. M. C. Chatterji era um grande amigo meu. Ele disse, “Swamiji, eu quero o Krsna do campo de batalha de Kuruksetra, não o de Vrndavana”. Tudo bem. Pelo menos aceite o Krsna do campo de batalha de Kuruksetra. Mas aceite Krsna. Se você não é afortunado o suficiente para entender Radha-Krsna, ao menos tente entender Arjuna-Krsna.
O mundo inteiro está sofrendo essa violência. Falo isso para os homens pensativos. As pessoas são mortas sem a consciência de Krsna. Elas recebem esta oportunidade, a forma humana de vida, e elas têm de ser educadas de forma que entendam Krsna. Entendendo Krsna, elas podem se tornar liberadas. Como é afirmado aqui: mumukshavah. Mumukshavah significa aqueles que desejam a liberação. Mas os líderes e formadores de opinião não sabem o que é liberação, o que é transmigração da alma, o que é a alma – nada. São um bando de patifes, e mesmo assim estão liderando toda a população. Eles não sabem o que é liberação. A teoria de Darwin, o conceito corpóreo de vida, antropologia – tudo isso continua na universidade. Uma falsa teoria, sem nenhum significado.
Aqui é dito mumukshavah, desejo de liberação. Mas as pessoas definitivamente não sabem o que é liberação. Elas estão pensando em liberação em termos políticos. Nós indianos nos tornamos livres do governo inglês. Que tipo de liberação nós conseguimos? Durante o regime inglês, nós éramos livres para nos locomovermos, livres para gastar o dinheiro deles. Agora você é tão livre que não pode se locomover, você não pode gastar seu dinheiro. É essa a liberação que temos agora. Formalmente não há nenhuma restrição quanto a sair do país. Mas, como um sannyasi, eu tive muita dificuldade para obter permissão do governo para sair do país.
Grandes dificuldades eu tive para sair deste país! E porque eu – de uma maneira ou de outra, pela misericórdia de Krsna – saí do país, eu pude espalhar esse movimento da consciência de Krsna pelo mundo. De outra forma, isto seria impossível. Eu quis começar esse movimento na Índia, mas eu não fui de forma alguma encorajado.
Eu me aproximei de vários amigos: “Você tem quatro filhos. Caridosamente me dê um de seus filhos. Eu quero fazer dele um brahmana”.
“Mas Svamiji, o que ele fará tornando-se um brahmana? Nós temos que sobreviver”.
Percebem? As pessoas se esqueceram qual é o objetivo da vida, qual é a razão da vida. Caitanya Mahaprabhu disse:
bharata-bhumite haila
manushya-janma yara
janma sarthaka
kari’ kara para-upakara
“Todos que nasceram na terra de Bharatavarsha devem tornar suas vidas bem sucedidas”. [Chaitanya-charitamrita, Adi-lila 9.41] Porque aqui nós realmente temos a oportunidade de sermos liberados. Em Bharatavarsha nós temos informações acerca da liberação. Não há tal informação em nenhum outro país. A assim-chamada liberação deles significa liberdade política. Lutar entre si – isto não é liberação. Liberação significa sair do ciclo de nascimentos e mortes. Isto é liberação. Mas as pessoas não fazem idéia do que seja liberação, ou para onde vão após liberadas. Parece haver um bloqueio para se aceitar tal conhecimento.
Por isso é muito difícil para as pessoas entenderem a afirmação do Srimad-Bhagavatam, como neste verso: mumukshavo ghora-rupan hitva bhuta-patin atha. As pessoas não entendem. Elas estão tão desencaminhadas, tiveram uma formação tão ruim, que não conseguem entender. Mas a terra de Bharatavarsha tem por objetivo fornecer a liberação. Em outras terras, as pessoas nascem e não têm nenhuma informação sobre liberação. Aqui, nesta terra, Bharatavarsha, existe a idéia de liberação, mukti. Nós deveríamos ter interesse pela liberação. Nossa condição dentro desta prisão material é a de que estamos transmigrando de um corpo para outro, sempre tentando aprimorar nossa condição material. Algumas vezes nós vamos para planetas superiores, e algumas vezes nós descemos.
O Escuro Mundo Material
E assim continuamos a levar a mesma vida. Mas a forma de vida humana tem por objetivo sair da escuridão do mundo material. Tamasi ma jyotir gama. Esta é a sugestão védica: “Não permaneça na escuridão”. Este mundo é escuro, como experimentamos durante a noite, antes do sol nascer. E ele é escuro devido à ignorância. Nós não sabemos o objetivo da vida. Por isso o mundo inteiro está na escuridão. E a sugestão dos vedas é “Não permaneça na escuridão. Venha para a luz”. Mas essa educação – de como sair da escuridão da ignorância e da escuridão deste mundo material – está escassa.
Aqui é mencionado: narayana-kalah shanta bhajanti hy anasuyavah. Asuya significa invejoso. Quando apresentamos Krsna, especialmente na Índia, as pessoas O invejam às vezes. Mas fora da Índia, as pessoas reagiram de forma diferente. Eu apresentei perante elas que “Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Você está procurando por Deus. Aqui está Deus. Aqui está o nome de Deus, aqui está o endereço de Deus, aqui estão as atividades de Deus. Tente entender Deus. Por que vocês estão especulando?” , e eles aceitaram. Eles não são asuyana. Eles não são invejosos.
Aqui, se eu apresento Krsna, a pessoa talvez diga, “Por que não Kali? Ah, Kali é tão viva. Ela tem uma língua enorme. Ela carrega uma espada em sua mão, cortando cabeças. Isto é tão legal. E nós podemos comer cabras”. Percebem? Kali-puja é mesmo para comedores de carne. Agora é a temporada de Kali-puja. Kali-puja está aí porque os shastras Védicos, as escrituras, são tão bem escritos, que todos, do mais baixo tolo ao homem mais inteligente, são elevados. Esse é o propósito. Todas as categorias de homens estão ali. Alguns são influenciados pelo modo da bondade; alguns são influenciados pelo modo da paixão; alguns são influenciados pelo modo da ignorância. E os Vedas se destinam a todos os seres humanos.
Há diferentes tipos de seres humanos; por tanto há diferentes tipos de shastras para que todos os tipos de homens sejam atraídos, inclusive os comedores de carne. A entidade viva vem para o mundo material para desfrutar, para satisfazer os sentidos materiais. Tal desfrute se refere especialmente a comer carne, beber vinho e fazer sexo. Assim os Vedas regulam o assim-chamado desfrute. “Você quer comer carne? Certo, então sacrifique uma cabra perante a deusa Kali e a adore no amavasya, a noite da lua negra”. Há muitas regulações envolvidas. O verdadeiro objetivo é restringir. Mas se fosse falado diretamente, “Não coma carne”, os comedores de carne iriam se rebelar.
Assim, as escrituras Védicas trazem várias prescrições para que diferentes semideuses sejam adorados. De outra forma, não há necessidade de adorá-los. Isto é explicado no Bhagavad-gita (7.20). Kamais tais tair hrita-jnanah prapadyante ’nya-devatah: Aqueles que estão adorando os semideuses se tornaram cegos; eles perderam seus sentidos. Hrita-jnana: O verdadeiro conhecimento é perdido. Assim, eles ficam atrás dos favores de vários semideuses. Eu não estou inventando este ponto. Krsna pessoalmente diz kamais tais tair hrita-jnanah prapadyante ’nya-devatah: não há nenhuma necessidade de se adorar qualquer semideus.
Esta é a moral do festival de Govardhana-puja. Nanda Maharaja, o pai de Krsna, estava fazendo os arranjos para a adoração de Indra. Krsna o deteve, e Ele ocupou Seu pai na adoração de Govardhana, que é uma representação de Krsna. Este é o significado do Govardhana-puja.
Nós conseguimos diferentes tipos de prazeres sensoriais em diferentes corpos. Mas isto não é um bom negócio. Às vezes eu me torno um semideus, e às vezes eu me torno uma árvore de eucalipto, de pé por trezentos anos. Por que deveríamos desperdiçar nosso tempo desta maneira? Fazer esta pergunta é sinal de inteligência. Mas as pessoas não sabem que “desta vez” são americanos. “Eu tenho meu arranha-céu e um automóvel e tenho também um excelente saldo bancário. Eu sou muito feliz”. Eles não se importam. Mas a pessoa não sabe que na próxima vida ela talvez se torne um gato ou um cachorro. Isso eles não sabem. Este é o perigo.
Um Movimento Científico
Esta ciência não é ensinada em nenhuma universidade. As pessoas são grandes patifes e tolos. Esta é uma grandiosa ciência – transmigração da alma, imortalidade da alma, como elevar a alma até a mais alta perfeição. Os patifes não sabem. Nem estão aprendendo isso. Estamos vivendo um momento muito desafortunado.
Há uma grande necessidade, então, de espalhar o movimento da consciência de Krsna para educar de verdade o ser humano para que ele possa alcançar a mais elevada perfeição da vida. Isto é necessário. Não se trata de um sistema religioso, competindo com alguma outra religião. Nós somos criticados por transformar Cristãos em Hindus. Isto não faz nenhum sentido. Nós não temos preocupações em termos de Hindus, Muçulmanos ou Cristãos. Meus discípulos são garotos educados; eles não têm interesse em se tornarem Hindus. Muitas pessoas antes de mim, muitos svamis, foram para o Ocidente para converter Cristãos em Hindus. Mas os ocidentais cuspiram em suas caras. Esses svamis não tiveram sucesso porque ficaram falando coisas sem sentido. Por que deveria um Cristão se tornar Hindu, ou um Hindu se tornar Cristão? As pessoas devem saber o que é Deus e qual sua relação com Deus. Este movimento da consciência de Krsna não é para transformar Hindus em Muçulmanos ou Muçulmanos em Hindus ou Cristãos em Hindus. Nosso movimento não é tal movimento. Estes jovens rapazes e moças ocidentais entenderam isto claramente. Por isso estão seguindo. Estão aceitando. Se eu tivesse pregando que o Hinduísmo é melhor que o Cristianismo, eles já teriam me despachado há muito tempo. A consciência de Krsna é uma ciência; é uma filosofia.
Há uma grande necessidade de educar as pessoas em relação ao objetivo da vida. Esta é a missão de Caitanya Mahaprabhu. Ele estava se dirigindo aos seres humanos, àqueles que são de fato seres humanos, não a gatos e cachorros. Ele disse, “Estudem a contribuição dos grandes sábios e façam de suas vidas um grande sucesso. E, então, saiam por aí e preguem esta missão”. Essa missão continua, agora sob a alcunha de movimento para a consciência de Krsna. Não se trata de um movimento sentimental. É um movimento científico.
Assim nós restringimos nossos estudantes da adoração de qualquer semideus. Quando eu comecei esta missão, muitos amigos me sugeriram, “Por que você não a chama de ‘consciência de Deus’?”, mas eu insisti que fosse “consciência de Krsna”. De outra forma, as pessoas incluiriam vários deuses. “Aqui está outro deus, aqui está outro deus, aqui está outro deus, aqui está outro deus, aqui está outra encarnação, aqui está outra avatar”. Tudo conversa fiada. Eu quis destacar aquele que é de fato Deus. Krishnas tu bhagavan svayam: “Krsna é a Suprema Personalidade de Deus”. [Srimad-Bhagavatam 1.3.28]. Ou como é trazido no verso de hoje: narayana-kalah shantah. Deve-se adorar unicamente a Krsna e a Suas expansões plenárias.
Tentem entender a nossa missão. Aqui está declarado que devemos aceitar a Suprema Personalidade de Deus. Krsna também diz, sarva-dharman parityajya mam ekam sharanam vraja: “Renda-se unicamente a mim. Então você será salvo”. [Bhagavad-gita 18.66].
Nós não sugerimos: “Adore Kali ou Siva ou qualquer outro – é tudo a mesma coisa. Yata mata tata patha”. Nós não falaríamos tamanho disparate. Nós apenas dizemos: “Aproxime-se de Krsna, e vocês será salvo”.

Por Sua Divina Graça A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Publicado como um artigo em Back to Godhead [Volta ao Supremo] – Revista fundada por Srila Prabhupada no ano de 1944
Tradução por Bhagavan dasa

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